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O poder da audiodescrição – Um recurso inclusivo

Por Bianca Borges e Flávia Francellino

A inclusão social é um tema muito discutido ultimamente e o acesso à cultura tem um papel determinante nessa questão. A cultura engloba os costumes e crenças de um povo, por meio dela se transmite conhecimento e, também, entretenimento. Em uma sociedade mais igualitária e inclusiva, o ideal é que todos, sem exceção, tenham total acesso às obras culturais.

 

Neste ínterim, entra em cena a audiodescrição que, por meio da descrição de imagens e acontecimentos, transmite o conteúdo visual das peças culturais para pessoas que possuem dificuldades para enxergar.  Essa técnica não é indicada apenas para pessoas cegas ou com baixa visão. Idosos, disléxicos e pessoas com síndrome de down, também podem se beneficiar com esse recurso.

 

           

Platéia do filme Colegas com audiodescrição - Cine Sabesp

Crédito: Dieogo Oio 

Foto sedida pelo site Ver com Palavras

Rosa Matsushita, audiodescritora e jornalista, considera a independência como sendo um dos principais benefícios para quem usufrui do método: “A pessoa com deficiência visual pode assistir a um filme sem precisar perguntar o que está acontecendo em cada cena. E, quando sai do cinema, pode criticar ou elogiar o filme, de igual para igual”

 

A audiodescrição surgiu em meados da década de 70, nos Estados Unidos, no entanto, no Brasil, a técnica só apareceu em 2003 e, apesar de estar em constante expansão, ainda não é conhecida por todos, como evidencia a estudante, Tamires Gusmão, de 25 anos, que tem baixa visão:

 

“Quando eu pergunto em alguns lugares se tem audiodescrição, há quem responda: ‘O que é isso? Daí eu tenho que explicar o que é, para que a pessoa procure o chefe dela para ver se tem esse ‘benefício’. Às vezes o local possui o recurso, mas a pessoa nem sabe o que é.

Sobre a técnica

 

A audiodescrição é utilizada em diversas mídias. Cada uma possui um aspecto especial e diferenciado. Por exemplo, nas produções audiovisuais como filmes e peças de teatro, o tempo para áudio-descrever é menor, porque há muitas falas e, na audiodescrição, não se pode sobrepor as falas.

 

Outro item que o audiodescritor deve se preocupar é tomar cuidado para não subestimar o ouvinte, permitir que ele tire suas próprias conclusões a respeito da obra.  Ele deve elaborar roteiros que propiciem o entendimento dos eventos visuais sem deixar transparecer suas opiniões.  

 

A linguagem da audiodescrição também deve ser adaptada ao público, como explica Rosa: “Se você está audiodescrevendo um espetáculo de balé para um público leigo, você até pode utilizar os nomes técnicos dos movimentos que a bailarina realiza, mas precisa, também, audiodescrever cada movimento, para que o público saiba qual é”.

 

Rosa Matsushita em mais um de seus trabalhos de audiodescrição, desta vez no Allianz Parque

Crédito: Acervo pessoal, foto sedida pela própria Rosa

 

 

Não existe audiodescrição fácil, mesmo quando esta se refere à imagem estática como é o caso das esculturas, pinturas e imagens em livros. Apesar de o profissional dispor de um tempo mais abrangente para fazer o roteiro, ele deve pesquisar tudo sobre a imagem e entender as intenções dos autores ao realizar aquela obra.

 

É importante ressaltar que nem sempre a presença, ao vivo, do audiodescritor é necessária no momento da exibição do produto cultural. Esse é o caso de exposições, cinemas e televisão, que disponibilizam o recurso já gravado.

A luta pela visibilidade da técnica

 

Instituições ligadas à inclusão de deficientes visuais e audiodescritores têm batalhado, há cerca de 10 anos, para que a utilização desse recurso se torne cada vez mais comum no Brasil.

 

O analista de sistemas e presidente do CADEVI – Associação de Apoio ao Deficiente Visual, Lothar Bazanella, recorda que chegou a participar de encontros que deram origem à lei de audiodescrição no país: “Quando nós pedimos a audiodescrição nos canais de TV aberta, o projeto era para 100% da programação, entretanto, a proposta não foi bem recebida, devido a representar um aumento gigantesco nas despesas dos veículos de comunicação na época”.  Atualmente as emissoras de televisão aberta devem disponibilizar este recurso por 6 horas semanais, porém, de acordo com o cronograma em vigor, que prevê o aumento progressivo desse serviço, a previsão é a de que, até 2020, os usuários já possam ter acesso a 20 horas semanais de conteúdo audiodescrito. 

 

Lothar perdeu a visão aos 5 anos de idade, e hoje, aos 64 anos, não só é usuário da audiodescrição como também ajuda a divulgar eventos que disponibilizam o método. Assim como ele, Milene Cristina Ourives, de 39 anos que tem glaucoma congênito e por isso tem a visão limitada, também considera essencial a ampliação da técnica audiodescritiva. Formada em Rádio e TV e pós-graduada em comunicação visual e multimídia, ela trabalha como instrutora de informática e gestora de redes sociais da ADEVA - Associação de Deficientes Visuais e Amigos, instituição que, tal como o CADEVI, tem o objetivo de inserir as pessoas com deficiência visual na sociedade.

Lothar Bazanella                                     Milene Ourives

Crédito: Acervo pessoal                          Crédito: Acervo pessoal​

Milene afirma que uma das barreiras para intensificar a utilização da técnica em eventos culturais é o custo: “Além do audiodescritor precisam ser contratados outros dois profissionais, um consultor, que geralmente é uma pessoa com deficiência visual, que vai validar o trabalho e um locutor para ler o roteiro. Uma boa infraestrutura e equipamentos também são itens que encarecem a audiodescrição”.

 

Outra questão, debatida nas organizações de apoio ao deficiente visual, é a falta de incentivo do governo para promover esses eventos inclusivos. “Quando a gente apresenta um projeto pedindo para que o governo endosse, para que possamos mostrar às empresas e solicitar apoio e recursos, eles colocam um monte de empecilhos. É muito difícil contar com o poder público”, desabafa Lothar.

O que o futuro reserva para a Audiodescrição?

 

É fato que a técnica audiodescritiva está se desenvolvendo e gradualmente ampliando seu ramo de atuação para além dos produtos culturais. Hoje em dia, é possível fazer compras ou viajar com um audiodescritor ao seu lado.  

 

Outra inovação na área é a audiodescrição para jogos de futebol, como aconteceu recentemente no jogo do Palmeiras contra o Atlético Paranaense. Esse tipo de audiodescrição não é muito comum, principalmente no Brasil, onde esse recurso só foi utilizado em alguns jogos da copa do mundo.

 

A audiodescritora, Rosa Matsushita, já citada nessa reportagem, participou do projeto que levou um grupo de 24 pessoas com deficiência visual ao estádio Allianz Parque.  Ela conta que o grupo foi ao estádio antes do jogo para fazer uma visita guiada. “Andamos pelo campo, audiodescrevendo e promovendo uma experiência tátil. Eles tocaram nas traves do gol, na grama, nas bandeiras de escanteio que ficam nas laterais do campo e sentaram no banco de reservas”.

Grupo de deficientes visuais fazendo a visita guiada ao Aliianz Parque, antes do início da partida​

                                                       Crédito: Blog da Audiodescrição

Quando o jogo começou, Bruno Silva, audiodescritor, foi o locutor da partida, fornecendo detalhes sobre as jogadas e a posição dos jogadores em campo. Apesar da dificuldade em se audiodescrever um jogo de futebol ao vivo e com acontecimentos simultâneos, a experiência foi proveitosa e o grupo gostou bastante.

 

As inovações na audiodescrição também estão presentes no ramo das tecnologias. Um item que merece destaque é o aplicativo desenvolvido na Itália, o Movie Reading, que possui versão disponível para celular e tablets. O app disponibiliza a audiodescrição de filmes em cartaz no cinema. Basta o usuário ativar o Movie Reading quando entrar na sala de cinema que o app sincroniza a audiodescrição com o filme, por meio da captação do áudio.

 

O futuro da audiodescrição no Brasil é promissor, porém, para que isso se concretize, é necessária muita dedicação e persistência por parte das associações de apoio ao deficiente visual, dos audiodescritores e da sociedade em geral, em prol da divulgação, qualificação e disseminação desse recurso.

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